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Quem fabrica os maus professores?

Evento

: FE

: 21 de Março 2010 às 21:00 a 21 de Junho 2010 às 21:00

Em entrevista vinculada pela revista Veja, do ano passado, a professora Eunice Duham, da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que os cursos de Pedagogia das universidades brasileiras estão na raiz do mau ensino nas escolas, atribuindo a este uma enorme responsabilidade.

 

Quem fabrica os maus professores?[i]

 

Angela Cristina Belém Mascarenhas

Socióloga e Professora da Faculdade de Educação da UFG

Sílvia Rosa Silva Zanolla

Professora da Faculdade de Educação da UFG

 

Em entrevista vinculada pela revista Veja, do ano passado, a professora Eunice Duham, da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que os cursos de Pedagogia das universidades brasileiras estão na raiz do mau ensino nas escolas, atribuindo a este uma enorme responsabilidade. Não podemos eximir de responsabilidade os cursos de Pedagogia e as demais licenciaturas com relação a formação de bons ou maus professores, mas é necessário dimensionar melhor essa responsabilidade e apontar alguns equívocos presentes na análise de Duham.

Entendo que em sua argumentação não prima propriamente pela objetividade e clareza, mas sim por certo simplismo, reducionismo e pelo comodismo de apontar um culpado numa situação em que culpa e responsabilidade são multifacetadas e envolvem muitas relações. Segundo Duham, um dos fatores responsáveis pela incapacidade dos professores em conseguir realizar o básico, que é ensinar em sala de aula, é a mentalidade da universidade que supervaloriza a teoria e menospreza a prática. Ao fazer essa afirmação a professora desconsidera a relação entre teoria e prática, ignorando que a prática consistente necessita de uma sólida formação teórica, o que vai garantir a capacidade de reflexão sobre essa prática. Isso não quer dizer menosprezar a prática, mas sim valorizá-la devidamente, para não cairmos em um pragmatismo reducionista.

Outra questão abordada é de que os professores estão cientes do baixo nível de ensino no país, mas costumam atribuir isso a fatores externos como os baixos salários e a falta de apoio do governo, que não lhes garantem a formação necessária. Isso, segundo ela, faz com que os professores se eximam da culpa e responsabilidade pelo mau ensino. Surpreende o fato de a professora minimizar esses fatores que inegavelmente são decisivos para a qualidade do ensino.

Duham se posiciona contrária a expansão das universidades públicas, afirmando que as mesmas são pessimamente administradas, representando a antítese de uma empresa bem montada, não conseguindo cumprir uma meta, segundo ela, fundamental, que é preparar para o mercado de trabalho, preferindo formar cidadãos. Mais uma surpresa. É de se admirar que uma professora de uma universidade pública apresente como um constrangimento o objetivo de formar cidadãos. As universidades públicas certamente não podem deixar de se preocupar com a formação para o trabalho, mas isso não pode se dar de forma reducionista, ignorando uma formação ampla que conceba o ser humano em sua totalidade, não como um indivíduo simplesmente adestrado para o mercado de trabalho.

Na perspectiva pragmática e tecnicista de Duham, já temos faculdades públicas em número suficiente para atender alguns que podem vir a se tornar PhDs ou profissionais altamente qualificados. Na sua concepção, as universidades públicas deveriam se restringir a formar esse grupo elitizado. Isso representa uma mentalidade extremamente antidemocrática da universidade pública. Na verdade, a única forma de garantirmos a democratização do ensino superior é através da expansão das universidades públicas, uma maneira de preservar a educação como um direito social e não uma mera prestação de serviços.

Uma universidade que tem por objetivo formar e não “fabricar” bons professores não pode se restringir a uma concepção pragmática e tecnicista da educação. Uma formação mais ampliada dos profissionais da educação certamente contribuiu para elevar a qualidade do ensino. O fato de o Brasil aparecer nos rankigs internacionais de ensino entre os piores países do mundo em educação envolve muitos outros fatores além da formação nos cursos de pedagogia. Dentre estes, podemos destacar que no Brasil a educação nunca foi prioridade.



[i] Artigo Publicado pelo Diário O POPULAR em 28 de junho de 2009.